quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Mosquito de laboratório contra a Dengue, no Nordeste.



No começo da noite de uma quinta-feira de setembro, a rodoviária de Juazeiro da Bahia era o retrato da desolação. No saguão mal iluminado, funcionavam um box cuja especialidade é caldo de carne, uma lanchonete de balcão comprido, ornado por salgados, biscoitos e batata chips, e um único guichê – com perturbadoras nuvens de mosquitos sobre as cabeças de quem aguardava para comprar passagens para pequenas cidades ou capitais nordestinas.

Assentada à beira do rio São Francisco, na fronteira entre Pernambuco e Bahia, Juazeiro já foi uma cidade cortada por córregos, afluentes de um dos maiores rios do país. Hoje, tem mais de 200 mil habitantes, compõe o maior aglomerado urbano do semiárido nordestino ao lado de Petrolina – com a qual soma meio milhão de pessoas – e é infestada por muriçocas (ou pernilongos, se preferir). 

Os cursos de água que drenavam pequenas nascentes viraram esgotos a céu aberto, extensos criadouros do inseto, tradicionalmente combatidos com inseticida e raquete elétrica, ou janelas fechadas com ar condicionado para os mais endinheirados.

Mas os moradores de Juazeiro não espantam só muriçocas nesse início de primavera. A cidade é o centro de testes de uma nova técnica científica que utiliza Aedes aegypti transgênicos para combater a dengue, doença transmitida pela espécie.

Desenvolvido pela empresa britânica de biotecnologia Oxitec, o método consiste basicamente na inserção de um gene letal nos mosquitos machos que, liberados em grande quantidade no meio ambiente, copulam com as fêmeas selvagens e geram uma cria programada para morrer. Assim, se o experimento funcionar, a morte prematura das larvas reduz progressivamente a população de mosquitos dessa espécie.

Assentada à beira do rio São Francisco, na fronteira entre Pernambuco e Bahia, Juazeiro já foi uma cidade cortada por córregos, afluentes de um dos maiores rios do país. Hoje, tem mais de 200 mil habitantes, compõe o maior aglomerado urbano do semiárido nordestino ao lado de Petrolina – com a qual soma meio milhão de pessoas – e é infestada por muriçocas (ou pernilongos, se preferir). Os cursos de água que drenavam pequenas nascentes viraram esgotos a céu aberto, extensos criadouros do inseto, tradicionalmente combatidos com inseticida e raquete elétrica, ou janelas fechadas com ar condicionado para os mais endinheirados.

Mas os moradores de Juazeiro não espantam só muriçocas nesse início de primavera. A cidade é o centro de testes de uma nova técnica científica que utiliza Aedes aegypti transgênicos para combater a dengue, doença transmitida pela espécie. Desenvolvido pela empresa britânica de biotecnologia Oxitec, o método consiste basicamente na inserção de um gene letal nos mosquitos machos que, liberados em grande quantidade no meio ambiente, copulam com as fêmeas selvagens e geram uma cria programada para morrer. Assim, se o experimento funcionar, a morte prematura das larvas reduz progressivamente a população de mosquitos dessa espécie.

A comunidade científica se surpreendeu com a notícia de que as primeiras liberações no mundo de insetos modificados geneticamente já haviam sido realizadas, sem que os próprios especialistas no assunto tivessem conhecimento. A surpresa se estendeu ao resultado: segundo os dados da Oxitec, os experimentos haviam atingido 80% de redução na população de Aedes aegypti nas Ilhas Cayman.

O número confirmava para a empresa que a técnica criada em laboratório poderia ser de fato eficiente. Desde então, novos testes de campo passaram a ser articulados em outros países – notadamente subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, com clima tropical e problemas históricos com a dengue.

Depois de adiar testes semelhantes em 2006, após protestos, a Malásia se tornou o segundo país a liberar os mosquitos transgênicos entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011. Seis mil mosquitos foram soltos num área inabitada do país. O número, bem menor em comparação ao das Ilhas Cayman, é quase insignificante diante da quantidade de mosquitos que passou a ser liberada em Juazeiro da Bahia a partir de fevereiro de 2011. A cidade, junto com Jacobina mais recentemente, se tornou desde então o maior campo de testes do tipo no mundo, com mais de 18 milhões de mosquitos já liberados, segundo números da Moscamed.

“A Oxitec errou profundamente, tanto na Malásia quanto nas Ilhas Cayman. Ao contrário do que eles fizeram, nós tivemos um extenso trabalho do que a gente chama de comunicação pública, com total transparência, com discussão com a comunidade, com visita a todas as casas. Houve um trabalho extraordinário aqui”, compara Aldo Malavasi.

Em entrevista por telefone, ele fez questão de demarcar a independência da Moscamed diante da Oxitec e ressaltou a natureza diferente das duas instituições. Criada em 2006, a Moscamed é uma organização social, sem fins lucrativos portanto, que se engajou nos testes do Aedes aegypti transgênico com o objetivo de verificar a eficácia ou não da técnica no combate à dengue. Segundo Malavasi, nenhum financiamento da Oxitec foi aceito por eles justamente para garantir a isenção na avaliação da técnica. “Nós não queremos dinheiro deles, porque o nosso objetivo é ajudar o governo brasileiro”, resume.

Em favor da transparência, o programa foi intitulado “Projeto Aedes Transgênico” (PAT), para trazer já no nome a palavra espinhosa. Outra determinação de ordem semântica foi o não uso do termo “estéril”, corrente no discurso da empresa britânica, mas empregada tecnicamente de forma incorreta, já que os mosquitos produzem crias, mas geram prole programada para morrer no estágio larval. Um jingle pôs o complexo sistema em linguagem popular e em ritmo de forró pé-de-serra. E o bloco de carnaval “Papa Mosquito” saiu às ruas de Juazeiro no Carnaval de 2011.

No âmbito institucional, além do custeio pela Secretaria de Saúde estadual, o programa também ganhou o apoio da Secretaria de Saúde de Juazeiro da Bahia. “De início teve resistência, porque as pessoas também não queriam deixar armadilhas em suas casas, mas depois, com o tempo, elas entenderam o projeto e a gente teve uma boa aceitação popular”, conta o enfermeiro sanitarista Mário Machado, diretor de Promoção e Vigilância à Saúde da secretaria.

As armadilhas, das quais fala Machado, são simples instrumentos instalados nas casas de alguns moradores da área do experimento. As ovitrampas, como são chamadas, fazem as vezes de criadouros para as fêmeas. Assim é possível colher os ovos e verificar se eles foram fecundados por machos transgênicos ou selvagens. Isso também é possível porque os mosquitos geneticamente modificados carregam, além do gene letal, o fragmento do DNA de uma água-viva que lhe confere uma marcação fluorescente, visível em microscópios.

Desta forma, foi possível verificar que a redução da população de Aedes aegypti selvagem atingiu, segundo a Moscamed, 96% em Mandacaru – um assentamento agrícola distante poucos quilômetros do centro comercial de Juazeiro que, pelo isolamento geográfico e aceitação popular, se transformou no local ideal para as liberações. Apesar do número, a Moscamed continua com liberações no bairro.

Devido à breve vida do mosquito (a fêmea vive aproximadamente 35 dias), a soltura dos insetos precisa continuar para manter o nível da população selvagem baixo. Atualmente, uma vez por semana um carro deixa a sede da organização com 50 mil mosquitos distribuídos aos milhares em potes plásticos que serão abertos nas ruas de Mandacaru.

“Hoje a maior aceitação é no Mandacaru. A receptividade foi tamanha que a Moscamed não quer sair mais de lá”, enfatiza Mário Machado.

O mesmo não aconteceu com o bairro de Itaberaba, o primeiro a receber os mosquitos no começo de 2011. Nem mesmo o histórico alto índice de infecção pelo Aedes aegypti fez com que o bairro periférico juazeirense, vizinho à sede da Moscamed, aceitasse de bom grado o experimento. Mário Machado estima “em torno de 20%” a parcela da população que se opôs aos testes e pôs fim às liberações.

“Por mais que a gente tente informar, ir de casa em casa, de bar em bar, algumas pessoas desacreditam: ‘Não, vocês estão mentindo pra gente, esse mosquito tá picando a gente’”, resigna-se.

Depois de um ano sem liberações, o mosquito parece não ter deixado muitas lembranças por ali. Em uma caminhada pelo bairro, quase não conseguimos encontrar alguém que soubesse do que estávamos falando. Não obstante, o nome de Itaberaba correu o mundo ao ser divulgado pela Oxitec que o primeiro experimento de campo no Brasil havia atingido 80% de redução na população de mosquitos selvagens.

Supervisora de campo da Moscamed, a bióloga Luiza Garziera foi uma das que foram de casa em casa explicando o processo, por vezes contornando o discurso científico para se fazer entender. “Eu falava que a gente estaria liberando esses mosquitos, que a gente liberava somente o macho, que não pica. Só quem pica é a fêmea. E que esses machos quando ‘namoram’ – porque a gente não pode falar às vezes de ‘cópula’ porque as pessoas não vão entender. Então quando esses machos namoram com a fêmea, os seus filhinhos acabam morrendo”.
Este é um dos detalhes mais importantes sobre a técnica inédita. Ao liberar apenas machos, numa taxa de 10 transgênicos para 1 selvagem, a Moscamed mergulha as pessoas numa nuvem de mosquitos, mas garante que estes não piquem aqueles. Isto acontece porque só a fêmea se alimenta de sangue humano, líquido que fornece as proteínas necessárias para sua ovulação.

A tecnologia se encaixa de forma convincente e até didática – talvez com exceção da “modificação genética”, que requer voos mais altos da imaginação. No entanto, ainda a ignorância sobre o assunto ainda campeia em considerável parcela dos moradores ouvidos para esta reportagem. Quando muito, sabe-se que se trata do extermínio do mosquito da dengue, o que é naturalmente algo positivo. No mais, ouviu-se apenas falar ou arrisca-se uma hipótese que inclua a, esta sim largamente odiada, muriçoca.

Avaliação dos riscos 

Apesar da campanha de comunicação da Moscamed, a ONG britânica GeneWatch aponta uma série de problemas no processo brasileiro. O principal deles, o fato do relatório de avaliação de riscos sobre o experimento não ter sido disponibilizado ao público antes do início das liberações. Pelo contrário, a pedido dos responsáveis pelo Programa Aedes Transgênico, o processo encaminhado à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio, órgão encarregado de autorizar ou não tais experimentos) foi considerado confidencial.

“Nós achamos que a Oxitec deve ter o consentimento plenamente informado da população local, isso significa que as pessoas precisam concordar com o experimento. Mas para isso elas precisam também ser informadas sobre os riscos, assim como você seria se estivesse sendo usado para testar um novo medicamento contra o câncer ou qualquer outro tipo de tratamento”, comentou, em entrevista por Skype, Helen Wallace, diretora executiva da organização não governamental.

Especialista nos riscos e na ética envolvida nesse tipo de experimento, Helen publicou este ano o relatório Genetically Modified Mosquitoes: Ongoing Concerns (“Mosquitos Geneticamente Modificados: atuais preocupações”), que elenca em 13 capítulos o que considera riscos potenciais não considerados antes de se autorizar a liberação dos mosquitos transgênicos. O documento também aponta falhas na condução dos experimentos pela Oxitec.

Fonte: ultimosegundo.com.br

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